segunda-feira, abril 29, 2024
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Aquilo que você chama de “Mimimi” pode ser a minha dor

Por Paulo Roberto Reis

Instagram: @psipaulorobertoreis

Você já deve ter ouvido ou até mesmo dito a expressão “mimimi”. Esse termo refere-se a um tipo de comunicação informal geralmente empregado para pessoas que se queixam da vida. A palavra “mimimi” funciona como uma onomatopeia, que é uma figura de linguagem que retrata a imitação de sons, quer sejam de objetos, de pessoas ou de animais. De um tempo pra cá, “mimimi” começou a se tornar popular, sobretudo nas redes sociais originando outras expressões, como, por exemplo, Keep calm and stop mimimi! [tradução: Fique calmo e pare com o mimimi!]. Atualmente, a terminologia “mimimi” ingressou em vários cenários, inclusive na escola, no trabalho e na política.

Problematizar a expressão “mimimi” é reconhecer o seu caráter polissêmico, pois o termo oferece diversos sentidos. Poderíamos nos interrogar: o que é “mimimi”? Ou, até mesmo, “mimimi” pra quem? No entanto, essa palavra tem sido empregada por muitas pessoas como sinônimo de choro. Assim, a nomenclatura “Mimimi” pode ser representada de modo pejorativo, pois quando reproduzida para uma determinada pessoa ou grupo de pessoas pode significar uma desaprovação ou depreciação sobre o que ela/ele está narrando. Quando alguém diz: “estou sofrendo muito”, “esse assunto me incomoda”, “eu me sinto muito mal por causa disso” ou “não consigo lidar com esse sofrimento” são expressões comumente vistas como “mimimi”.

A postura de quem classifica uma pessoa de “mimizenta” é de um juízo bastante crítico. Talvez a fala do outro seja exagerada, mas excessos podem performar faltas. E digo mais, excessos podem traduzir dor e sofrimento. A reclamação ou conjunto de reclamações pode cumprir a função de frustração, insatisfação e/ou sobrecarga mental. Criticar sem conhecer a história da pessoa pode ser fácil, difícil mesmo é escutar as suas dores. Obviamente, não é saudável ficar apenas reclamando. O reclamante pode estar distorcendo a realidade ao desenvolver padrões de generalização de aspectos negativos; acreditando que um acontecimento é terrível ou insuportável; enfatizando como as coisas deveriam ser ao invés de perceber como são; menosprezando aspectos positivos de si ou dos outros; realizando comparações injustas; atribuindo traços negativos que englobam a pessoa inteira; ou apenas falando sobre aquilo que lhe dói.

Contudo, não quero me deter sobre o suposto “mimizento” [reclamante], mas sobre quem define o outro como “mimizento”. Se você é essa pessoa que emprega com frequência essa terminologia, pense o seguinte: o que estou chamando de “mimimi”? Observe melhor a narrativa do seu interlocutor. Antes de julgar a pessoa supostamente “mimizenta” como dramática, “fresca”, exagerada ou vitimista, avalie se aquilo que ela está dizendo não é a dor dela. Quando alguém fala sobre violência de gênero, exclusão da diversidade, racismo, desigualdade social, conflitos familiares, abusos sexuais e tantas outras temáticas retrata a sua dor ou a dor de outras pessoas. Assim, o termo “mimimi” quando empregado nessas situações pode ser uma forma de invalidar a dor de outrem ou de um grupo específico da sociedade.

A invalidação emocional é um tipo de violência, pois retira do outro o direito de expressar a sua dor. Considerar as emoções de alguém como erradas ou inadequadas é uma maneira de ignorar o que ele/ela está sentindo. Quantas pessoas sofrem diariamente porque as violências são normalizadas? Quantas pessoas sofrem caladas e não buscam ajuda? Quantas pessoas chegam ao consultório de psicologia com transtornos mentais por causa da falta de escuta e acolhimento? Quem normaliza a violência como algo positivo pode desenvolver padrões comportamentais de agressividade, como uma repercussão desproporcional aos estímulos recebidos. Algumas pessoas podem se utilizar da agressividade como instrumento de poder e dominação.

Nesse aspecto da nossa reflexão, a invalidação emocional pode ser uma forma de se exercer a força sobre o indivíduo mais fragilizado [aquele que sofre]. Geralmente, é alguém que exerce sua força para calar uma voz que chora ou grita por socorro. A manutenção da agressividade desmedida traz problemas, e o seu impacto na saúde mental de quem é considerado “mimizento” pode ser muito nocivo. As altas taxas de suicídio, depressão e ansiedade nos deixam em alerta. Preste atenção! Aquilo que você chama de “mimimi” pode ser a minha dor.

Reflexão autoral de Paulo Roberto Reis, mestrando em Estudos de Linguagens (UNEB), graduado em Psicologia e Teologia (UCSAL), pós-graduado em Gerontologia e Terapia Cognitiva-Comportamental (TCC), e pós-graduando em Neuropsicologia. Atua como psicólogo clínico, com foco na saúde mental da pessoa idosa prestando atendimento online e presencial, psicólogo das organizações e do trabalho e palestrante.

Referências

Chem, C. M.; Berlim, C. G.; Maia, D. S.; Machado, N. T. P. (2007). Currículo Socioafetivo. Colégio Israelita Brasileiro: Serviço de Psicologia e Orientação Educacional.

Del Prette, Z.; & Del Prette, A. (1999). Psicologia das Habilidades Sociais: Terapia e Educação Petrópolis: Vozes.

Del Prette, Z.; & Del Prette, A. (2013). Psicologia das Habilidades Sociais na Infância: Teoria e Prática. Petrópolis: Voz

Imagem: Fonte: Google: A cara da “Mimimi” do ator Miko Hugles em uma cena do seriado Três é demais (Full House).

 

 

 

 

 

 

 

 

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