segunda-feira, maio 13, 2024
Home Cultura A história de Paulo Goetze com a cantora Daniela Mercury

A história de Paulo Goetze com a cantora Daniela Mercury

Por Paulo Goetze

Recebi com muito entusiasmo o convite para fazer parte deste portal escrevendo 1 vez por semana sobre cultura. Confesso que fiquei surpreso, mas empolgado para começar. Bem, nessa primeira semana resolvi escrever um pouco sobre mim para que as leitoras e leitores conheçam esse interlocutor. Sendo bem sucinto, me chamo Paulo Goetze, tenho 36 anos, sou bacharel em Estudos de Gênero e Diversidade e mestre em Gênero, Mulheres e Feminismo pela Universidade Federal da Bahia. Atualmente curso doutorado no mesmo programa.
No mestrado escrevi uma dissertação em que me debruço sobre a trajetória e produção de Daniela Mercury. A escolha do tema deste trabalho se deu pela minha afinidade com a artista desde os 8 anos e, posteriormente, pela aproximação com ela a partir dos meus 18 anos. Enquanto estudante de graduação passei por um programa de mobilidade em Portugal e, nesse período (2013), ao assistir a um show de Daniela no Coliseu, em Lisboa, fiquei curioso com a afirmação dela ao apresentar a portuguesa Teresa Salgueiro para um dueto. Daniela disse que Teresa é também compositora, que pouca gente sabe disso e que o mesmo acontece com ela. Mesmo sendo reconhecida como cantora brasileira em muitos países do mundo e com uma carreira sólida, poucas pessoas a reconhecem como autora de suas canções, de seus pensamentos cantados. Vou apresentar neste artigo um pouco do que escrevi neste trabalho acadêmico que foi publicado em livro em 2019.

O objetivo principal foi evidenciar, através da análise crítica das letras das canções escritas por Daniela Mercury, a sua trajetória como uma cantautora, termo que não é utilizado com frequência no Brasil, mas é bem difundido principalmente na Europa para designar a artista que escreve, compõe e canta seu próprio material. Também pontuo as quebras de paradigmas e inovações que Daniela trouxe para o carnaval da Bahia, como, por exemplo, o primeiro camarote, em 1996, criado para abrigar artistas e jornalistas e, portanto, dar visibilidade ao circuito Barra-Ondina; em 2000 a fusão do samba-reggae, música brasileira, com a música eletrônica, o house e o drum’n’bass; ou ainda em 2005 a inclusão de música erudita quando levou um piano de cauda em cima do trio elétrico, só para citar algumas ocasiões.
Tomo como ponto de partida a entrada de Daniela no mercado brasileiro com o show no vão livre do MASP no qual ela recebeu o primeiro contato com a gravadora Sony Music para gravar um disco com distribuição nacional. A manchete no jornal Folha de São Paulo informou: “Cantora baiana pára a Avenida Paulista!” e em subtítulo: “Ritmo contagiante de Daniela Mercury faz estrutura do MASP tremer”! Foi assim que a cidade de São Paulo amanheceu em 6 de junho de 1992, um dia depois de Daniela apresentar seu show, marcado para meio dia, com duração de menos de 1 hora no maior vão livre da América Latina no Museu de Arte de São Paulo e parar a Avenida Paulista, o endereço mais conhecido e movimentado da maior cidade do país. Segundo a notícia, cerca de 20 mil pessoas se aglomeraram e impediram o trânsito nos dois sentidos da avenida. O projeto “Som do Meio Dia”, promovido pela Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, era um show com artistas novos, uma maneira de apresentação do que fazia sucesso nas regiões do país.
Daniela começou a cantar em bares aos 15 anos, em 1980, com um repertório diversificado, mas sempre com músicas de MPB, recheado de canções de Chico Buarque, Milton Nascimento, e das cantoras Gal Costa e Elis Regina. Nessa época nem imaginava que seria uma cantora de sucesso. Em 1982, a jovem cantora subiu em um trio elétrico pela primeira vez e, segundo ela, o trio era tão ruim que o som parecia “carro de vender frutas”. Em 1986, ao lado de apresentações em barzinhos de Salvador, ela foi convidada para backing vocal da banda do Bloco Eva e em 1987 trabalhou nesta mesma função com o cantor Gerônimo, compositor que estourava com sua música “Eu Sou Negão”. Também em 1987, Daniela Mercury ouviu, pela primeira vez durante o carnaval, a canção afro “Faraó – Divindade do Egito”, de Luciano Gomes. O cantor Marcionílio, então vocalista da Banda Eva, contara a ela sobre uma nova canção que estava fazendo sucesso nas ruas. Então, em frente à estátua do poeta Castro Alves, na Praça do Povo, a vocalista baiana ouviu “Eu falei Faraó…” e a multidão inteira respondeu “Êê Faraó…” Sobre esse momento, Daniela fala no documentário “Axé: Canto do povo de um lugar”, de 2017:

“Naquele momento eu fiquei toda arrepiada e decidi que era aquilo que eu queria para a minha vida. Foi ali que eu decidi adotar o samba-reggae como bandeira. Um samba novo nasceu e é dele que eu vou me alimentar. Eu estava experimentando, aprendendo a cantar, a lidar com o público. Até que surgiu o samba-reggae, que no começo virou moda, todo mundo fazia. E eu resolvi esperar. Porque moda na Bahia passa em dois anos, todo mundo faz, depois todo mundo para de fazer. Dito e feito. Veio a primeira leva de samba-reggae, seguiu o sucesso de Luiz Caldas e Sarajane, e foi um fenômeno enorme, uma explosão rápida no Brasil. Mas aí começou a lambada, outro fenômeno, internacional, e esqueceram o samba-reggae. Pensei: ‘largaram pra mim´”
E foi através desta nova matriz, do som feito pelo Olodum, que ela teve certeza do que seria sua vida artística. O Olodum chegou muito forte com a batida do samba-reggae sintetizada por Neguinho do Samba nas ladeiras do Pelourinho, sendo, inclusive, reconhecida internacionalmente através do interesse de Paul Simon e posteriormente Michael Jackson. Toda a performance de Daniela Mercury se pautou na reprodução da identidade baiana. Nas roupas, por exemplo, ela utilizava figurino pintado à mão por Alberto Pita, idealizador do Cortejo Afro, artista plástico que há mais de 30 anos desenvolve trabalhos ligados à estética e à cultura africanas.
A aproximação de Daniela com os blocos afros se tornou uma marca em sua trajetória, sendo frequentadora assídua dos ensaios dos blocos desde muito jovem. A relação dela com o Ilê Aiyê, o Olodum e a Banda Didá, por exemplo, vai além da escolha de suas músicas para o repertório e a incorporação de passos e gestos do Candomblé utilizados em suas coreografias, Daniela procura dar visibilidade aos blocos em shows e em videoclipes que são pulverizados por todo o mundo.
Quantitativamente, entre 1991 e 2012, Daniela Mercury gravou 14 discos, com um total de 205 músicas, sendo 43 autorais, o que dá um total de quase 21% de músicas próprias. Em 2015, ela gravou um disco totalmente autoral. Nele a cantora disserta sobre suas inquietações, suas preocupações, questionamentos, sua maneira de ver o mundo e se relacionar com ele e suas influências, como o Movimento Antropofágico, por exemplo, além da luta contra o racismo, o machismo e toda forma de opressão. A capa deste álbum foi inspirada no manifesto feito por John Lennon e Yoko Ono, em 1981, pela paz e pelo amor.

Vejo Daniela como uma cronista que está sempre antenada com o mundo, mas com as raízes bem fincadas no solo fértil da Bahia.

Após a escrita do trabalho, fiz um perfil no Instagram (@danielamercurysuporte) onde posto sempre atualizações da carreira de Daniela como uma forma de atualização do livro que está disponível no site www.queerlivros.com.br, na Amazon ou diretamente comigo.

Até a próxima quarta.

9 COMENTÁRIOS

  1. Este livro é uma grande oportunidade de entender, celebrar e desfrutar da trajetória incrível da carreira e vida de Daniela Mercury. Eu adorei. Já li faz alguns meses e já quero ler de novo. Acrescenta muito em muitos pontos da nossa vida, nos faz refletir. Maravilhoso para fãs e pra quem não é fã.

  2. Sou admiradora dessa grande artista ,que luta por tantos com sua arte .
    Amei seu livro, já li várias vezes .Obrigada por esse rico conhecimento compartilhado .
    Arte e educação sempre juntas para melhoria do nosso país.Parabéns Paulo.

  3. Parabéns, Paulinho! Reconhecer e exaltar o nome de Daniela Mercury é também uma forma de contemplar o que temos de melhor nas artes brasileiras; é contemplar a vida em forma de ritmo e sons…E Daniela segue sendo a artista brasileira mais completa de todos os tempos!❤️

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor insira seu comentário!
Digite seu nome aqui

Mais Lidas

Dia Nacional do Chef de Cozinha

Por Redação  Dia Nacional do Chef de Cozinha: saiba onde estão as vagas oferecidas em São Paulo Secretaria de Desenvolvimento Econômico já ofereceu mais de mil...

Conhecendo as Leis do Desapego!

Por Dôra Paiva Quando falamos em DESAPEGO ou DESAPEGAR, algumas pessoas prontamente entendem como uma forma de desamor, de frieza e falta de sentimentos. Porém...

Os impactos na saúde mental das pessoas em situação de desastres naturais: como intervir?

Por Dr. Paulo Roberto Reis Instagram: @psipaulorobertoreis Nos últimos dias temos acompanhado a tragédia das enchentes que acometeram a população do Rio Grande do Sul. As...

Brasileirão sem os times gaúchos

Por Fernando Francisco Nesse final de semana o Brasileirão tanto masculino como feminino tem mais uma rodada sem a participação das equipes gaúchas em virtude...