Por Paulo Roberto Reis
Instagram: @psipaulorobertoreis
A expressão “Fulano é louco de pedra” carrega consigo dicotomias históricas sobre a loucura, que ora traz referências positivas ora negativas. O louco já assumiu vários papeis sociais. Louco era o “mendigo” [pessoa em situação de rua]; louco era o pobre; louco era o filósofo; louca era a bruxa [sobretudo, na Idade Média]; louco era o leproso; louco era o místico que conversava com os deuses; louco era quem não respeitava as normas morais; louco era quem não correspondia os padrões e expectativas da sociedade. Atualmente, quem é o louco de pedra? Penso eu, que o fulano ou fulana louca pode assumir qualquer uma das formas acima citadas.
Infelizmente, o fato é que a figura do louco continua sendo um problema na nossa sociedade. Na maioria das vezes, o louco é visto como alguém desajustado, desequilibrado, descontrolado e perigoso. É o fulano que é capaz de cometer atos violentos e “insanos” ou simplesmente que não possui uma razão lógica padronizada. Ideias assim, no século XIX, fizeram surgir a psiquiatria enquanto ciência. O tratamento dado ao louco foi variando ao longo do tempo, mas, certamente, os manicômios revelam experiências bastante negativas sobre a forma de tratar a loucura. Foucault, na sua obra História da Loucura, afirma que o fenômeno da loucura nada mais é do que uma estrutura da exclusão.
Hoje em dia, há pessoas e estruturas que continuam se utilizando da narrativa da loucura na tentativa de justificar os sistemas de exclusão da nossa sociedade. Aplica-se, então, o dito: “fulano (a) é louco de pedra”, pra quem foge das expectativas padrões. Assim, surgem algumas questões: ser diferente é ser louco? Todo mundo é igual a todo mundo? Perguntas complexas, mas as respostas podem ser simples quando são observadas sem hipocrisia e com honestidade intelectual. A pluralidade não deveria ser critério para loucura, ou se considerada, todo mundo deveria ser representado em sua loucura. Pensando assim, vale a máxima de outro dito popular: “[…] de louco, todo mundo tem um pouco”.
Mesmo após o início do Movimento de Luta Antimanicomial (1970) – caracterizada pela luta por direitos das pessoas em estado de sofrimento mental – continuamos excluindo e encarcerando pessoas em estado de sofrimento psíquico. Há, ainda, manicômios clássicos em nosso meio, e existe também os manicômios revestidos de comunidades terapêuticas, que, por vezes, perpetuam práticas de segregação, violência e negação de direitos. Obviamente, não estou me referindo a todas as casas terapêuticas, mas, infelizmente, boa parte delas. O problema central é que o modelo permanece manicomial: tirar o indivíduo de circulação e afastá-lo da vida social, ou criar uma vida social paralela, onde se imagina “estar entre os pares” – os outros “loucos de pedra”.
Nesse sentido, os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) oferecem modalidades de serviços interdisciplinares mais amplos à comunidade, inclusive às pessoas que enfrentam desafios relacionados ao uso prejudicial de drogas. Os equipamentos CAPS são parte da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), ambos integram o Sistema Único de Saúde (SUS). As atividades nos CAPS não se limitam apenas ao atendimento clínico, mas atividades de grupos, visitas domiciliares e intervenções em situações de crise numa perspectiva de inserção do indivíduo à sociedade. Admitimos que ainda há muito o que fazer. Enquanto sociedade organizada, precisamos continuar ampliando as redes de atenção psicossocial, bem como outros equipamentos. Contudo, antes de mais nada, devemos mudar de mentalidade. Sairmos de nossos preconceitos. O “Fulano (a) louco de pedra” pode ser eu ou até mesmo você!
Reflexão autoral de Paulo Roberto Santos Reis Soares, mestrando em Estudos de Linguagens (UNEB), graduado em Psicologia e Teologia (UCSAL), pós-graduado em Gerontologia e Terapia Cognitiva-Comportamental (TCC), e pós-graduando em Neuropsicologia. Atua como psicólogo clínico, com foco na saúde mental da pessoa idosa prestando atendimento online e presencial; psicólogo das organizações e do trabalho e palestrante.
Referências
Brasil, Ministério da Saúde. Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), 2024. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/composicao/saes/desmad/raps/caps Acesso em 31 de maio de 2024.
Foucault, Michel. A água e a loucura (1963). In: ________. Problematização do sujeito: Psicologia, psiquiatria e psicanálise. Ditos e Escritos I.Org.Manoel Barros da Motta. Trad. Tradução de Vera Lúcia Avelar Ribeiro. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006, p. 205-209.
________. A casa dos loucos. In: Foucault, Michel. Microfísica do poder. Org. e trad. Roberto Machado. São Paulo: Graal, 2008, p. 113-128.
_______. História da loucura na idade clássica. Trad. José Teixeira Coelho Neto. 9. ed.. São Paulo: Perspectiva, 2010.
IMAGEM: Louco de pedra. | Sketches, Humanoid sketch, Illustration



