Por Dr. Paulo Roberto Reis
Psicólogo clínico
Entre os muitos legados deixados pelo Papa Francisco (1936–2025), sua atenção ao sofrimento humano, especialmente aquele que se oculta na interioridade das pessoas, permanece como um convite urgente à reflexão. Em tempos em que a saúde mental é frequentemente negligenciada ou estigmatizada, a voz de Francisco — com a serenidade de um pastor e a coragem de um homem lúcido diante das fragilidades do mundo — nos convida a olhar para o sofrimento psíquico com respeito, acolhimento e responsabilidade.
Em setembro de 2021, durante um encontro com profissionais da saúde na Itália, o Papa afirmou: “Cuidar da saúde não é apenas tratar o corpo, mas também o coração, a mente e o espírito.” Essa afirmação, simples e profunda, traduz sua visão integral do ser humano, em que o sofrimento mental não é visto como sinal de fraqueza, mas como parte da condição humana que requer escuta, cuidado e presença.
Francisco foi uma das vozes mais influentes do nosso tempo a reconhecer, publicamente, a importância de procurar ajuda psicológica. Em uma entrevista concedida ao livro “A Saúde dos Papas” (2021), ele revelou que, no início de seu ministério em Buenos Aires, recorreu ao acompanhamento de uma psicóloga por seis meses. “Aprendi a lidar melhor com a minha ansiedade e a compreender o valor do equilíbrio interior”, disse. Essa fala não apenas humaniza o pontífice, mas também encoraja milhares de pessoas a abandonarem o preconceito que ainda cerca a busca por apoio emocional.
O Papa não falava sobre saúde mental como moda ou retórica. Ele fazia disso parte de sua espiritualidade concreta. Em diversas homilias e audiências — como na Audiência Geral de 13 de outubro de 2021 — enfatizou a importância de cultivar a escuta como expressão de cuidado: “Todos precisamos ser escutados. E às vezes, o silêncio das lágrimas diz mais que mil palavras.” Esse olhar para a dor silenciosa é essencial para compreender o sofrimento psíquico que, muitas vezes, passa despercebido.
Hoje, ao refletirmos sobre sua vida e suas palavras, somos convidados a reconhecer que o cuidado com a saúde mental não é apenas uma demanda clínica, mas um imperativo ético e espiritual. Francisco nos mostrou que espiritualidade não se opõe à ciência, nem substitui a psicologia. Pelo contrário: ambas podem se encontrar na promoção do bem-estar integral da pessoa.
Mais do que discursos, o Papa Francisco nos deixou gestos e silêncios cheios de sentido. Sua capacidade de acolher, de dialogar com quem pensa diferente, de abraçar o excluído, de escutar o que não era dito — tudo isso aponta para um modo de viver onde o cuidado com o outro inclui, necessariamente, a saúde emocional e mental.
Que sua memória continue a inspirar práticas de escuta, empatia e responsabilidade com a dor alheia. Que seu testemunho nos lembre de que não existe vida saudável sem um olhar amoroso para aquilo que se passa dentro de nós. E que possamos, como ele tantas vezes pediu, “cuidar do coração humano com ternura” — inclusive o nosso.
Paulo Roberto Reis é psicólogo clínico especializado em Terapia Cognitivo-Comportamental e idealizador da Longevos Psicologia, uma clínica voltada para o cuidado da saúde mental e longevidade. Graduado em Psicologia pela Universidade Católica do Salvador (UCSAL), Paulo é também mestrando em Estudo de Linguagens pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Com uma sólida formação acadêmica, é pós-graduado em Gerontologia, Terapia Cognitivo-Comportamental e Neuropsicologia. Além de sua prática clínica, Paulo é colunista do Portal Som de Papo, onde escreve sobre saúde mental aos domingos, contribuindo com informações e reflexões sobre o bem-estar psicológico.



