Por Paulo Roberto Reis
Instagram: @psipaulorobertoreis
O nosso estilo e hábitos de vida ajudam a determinar a qualidade da nossa saúde. A todo instante somos exigidos e hiperestimulados em nossas tarefas cotidianas. Quase não há mais espaço e tempo para o autocuidado. Um dos reflexos dessa cultura da aceleração é que o número de brasileiros e brasileiras com Transtornos Mentais cresce a cada dia. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), somos a população com a maior prevalência de transtornos de ansiedade do mundo, além da terceira em transtornos depressivos. Dessa forma, o adoecimento psíquico pode aparecer como forma de alerta para algo que não vai muito bem na nossa vida.
Para enfrentar os transtornos mentais, muitas pessoas recorrem ao uso de medicamentos psiquiátricos, inclusive sem acompanhamento dos profissionais – o que é extremamente perigoso e desaconselhável. Constata-se então, que o ato de medicalizar tornou-se parte da nossa atmosfera social. De acordo com os dados do Conselho Federal de Farmácia, a compra de medicamentos psiquiátricos, especialmente os antidepressivos e estabilizadores de humor, cresceu mais de 58% nos últimos 4 anos. Nesse viés, apresenta-se duas problemáticas centrais: a primeira, é que existe a busca pela medicalização para todo e qualquer tipo de sofrimento psíquico, conduzindo o indivíduo ao excesso e dependência farmacológicos; e a segunda, é que muitas pessoas não buscam o tratamento psicológico.
Ora, o medicamento é importante para o controle de alguns sintomas, porém a psicoterapia é um recurso de mudança, e pode contribuir efetivamente para a eficácia do tratamento como um todo. No entanto, algumas pessoas tendem a enxergar os tratamentos medicamentoso e psicológico em estado de oposição. Há várias justificativas para esse equívoco. Certamente, numa sociedade como a nossa, que pensa e age de forma frenética, deseja “soluções rápidas” ou “mágicas”. Obviamente, que os efeitos do medicamento são mais rápidos do que a psicoterapia. Além disso, existe uma mentalidade predominante que acredita ser possível anestesia o indivíduo, a partir da negação do seu sofrimento. Assim, os medicamentos surgem como uma “pílula” do “pare de sofrer”. Contudo, tudo isso não passa de um engano – ou parte de um sistema industrial, que lucra absurdamente com essa lógica.
Nem sempre o medicamento terá êxito, assim como nem sempre a psicoterapia surtirá o efeito desejado. É preciso analisar caso a caso. Há situações onde a psicoterapia não necessitará do medicamento, e vice-versa. As duas frentes de tratamento possuem benefícios e limitações. Diante disso, prestemos à atenção que existem sofrimentos que não são patologias, e por isso mesmo não devem ser tratados a base de medicamentos. Porém o mais indicado, para a maioria dos casos de pessoas com Transtornos Mentais, é a combinação de ambos métodos terapêuticos: medicamento e psicoterapia.
No tratamento farmacológico, há efeitos rápidos capazes de aliviar a tensão de alguns sintomas, enquanto a psicoterapia tende a ir progredindo com o passar do tempo. A psicoterapia é um recurso de tratamento científico que se utiliza sistematicamente de diversas técnicas para lidar com questões associadas a saúde mental. Nos casos mais graves de Transtornos Mentais, as duas modalidades terapêuticas – fármacos e psicoterapia – mostram-se mais eficazes.
Os chamados psicofármacos auxiliam, em alguns casos, até mesmo na adesão do paciente à psicoterapia. Não é incomum esse tipo de situação. Assim como não é incomum, os psiquiatras indicarem apenas a psicoterapia sem a necessidade de medicalizar o paciente. O comprometimento ético e científico precisam ser as balizas, para dirimir as possíveis controvérsias entre o psiquiatra e o psicoterapeuta. Os estudos avançam e mostram a necessidade de uma interdisciplinaridade que perpassa pelo diálogo honesto entre todas as frentes da ciência. Em relação ao paciente, este deve entender o tratamento como um processo complexo e multifacetado. Um olhar limitado provoca soluções simplistas que dificilmente atenderão as demandas da pessoa. Já as intervenções medicamentosa e psicoterapêutica juntas podem reduzir os impactos do adoecimento mental. Não existe inimizade entre psicoterapia e medicamento, mas, sim, busca de diálogo, discernimento e entendimento entre ambas.
Reflexão autoral de Paulo Roberto Santos Reis Soares, mestrando em Estudos de Linguagens (UNEB), graduado em Psicologia e Teologia (UCSAL), pós-graduado em Gerontologia e Terapia Cognitiva-Comportamental (TCC), e pós-graduando em Neuropsicologia. Atua como psicólogo clínico, com foco na saúde mental da pessoa idosa prestando atendimento online e presencial; psicólogo das organizações e do trabalho e palestrante.
Referências
Brasil, Conselho Federal de Psicologia (CFP) – VII Congresso Nacional da Psicologia, Caderno de Deliberações. Brasília: CFP, 2013. Disponível em http://site.cfp.org.br/wpcontent/uploads/2013/08/MinutaCadernodelibera%C3%A7oes14.08.pdf Acesso em 16 de maio de 2024.
Barreiros, J. A. B. A. Explicitação dos processos de mudança em psicoterapia de orientação psicodinâmica em pacientes com dor crônica. 2012. Dissertação (Mestrado em Psicologia Clínica), Instituto Universitário, Lisboa, Portugal, 2012. Disponível em: http://hdl.handle.net/10400.12/2566. Acesso em: 27 jun. 2016.
Rocha, Lucas. Uso de medicamentos para a saúde mental cresce no Brasil; especialistas alertam sobre cuidados. CNN Brasil, 2023. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/saude/uso-de-medicamentos-para-a-saude-mental-cresce-no-brasil-especialistas-alertam-sobre-cuidados Acesso em 16 de maio de 2024.
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