Por Dr. Paulo Roberto Reis
Psicólogo Clínico
Nos últimos anos, temos assistido a uma avalanche de discursos de ódio circulando nas redes sociais, nos corredores da política e até nas conversas cotidianas. Não se trata apenas de opinião ou divergência. Trata-se de agressões violentas, disfarçadas de liberdade de expressão, que ferem a dignidade humana e colocam em risco a saúde mental de milhões de brasileiros. Como psicólogo, escrevo este artigo com o coração pesado — porque os efeitos disso chegam diariamente aos consultórios, em forma de sofrimento, adoecimento e silenciamento.
A saúde mental não é um campo isolado da realidade social. O que vivemos, ouvimos e internalizamos nos atravessa de forma profunda. A violência verbal, a discriminação, o racismo, a LGBTfobia, o capacitismo, o machismo e outras formas de ódio afetam a autoestima, aumentam os índices de depressão, transtornos de ansiedade e suicídio, principalmente entre pessoas já vulnerabilizadas. Como afirmou o psicanalista e professor Christian Dunker: “O discurso de ódio não é apenas opinião, é um ato de violência que transforma sofrimento em exclusão.” E exclusão, vale dizer, adoece.
A filósofa Djamila Ribeiro já alertou que não existe neutralidade diante do ódio. Ela afirma que “o silêncio diante do racismo é cumplicidade”, e o mesmo vale para todos os discursos que inferiorizam, desumanizam e atacam identidades. Quando o Congresso Nacional se cala diante desses ataques ou quando influenciadores digitais lucram com o engajamento gerado pelo ódio, o que se faz não é apenas negligência — é incentivo à barbárie. A saúde mental coletiva é corroída pela normalização da crueldade.
As redes sociais, que poderiam ser espaços de encontro e empatia, tornaram-se terreno fértil para a propagação da violência simbólica. Perfis falsos, bolhas ideológicas, algoritmos que amplificam polêmicas e uma cultura da desinformação constroem um cenário em que o sofrimento do outro vira meme e a empatia é tratada como fraqueza. Jovens são humilhados por sua aparência, mulheres são ameaçadas por sua liberdade, pessoas trans são perseguidas apenas por existirem. Isso não é exagero. É a realidade clínica que muitos profissionais da saúde mental enfrentam hoje.
Como escreveu o psicólogo e professor da USP, Luiz Hanns: “Toda violência simbólica tem efeito emocional. A palavra, quando usada para ferir, molda o psiquismo.” E é por isso que não podemos aceitar discursos de ódio como parte do debate público. Não estamos falando de ideias. Estamos falando de pessoas. De suas vidas, suas histórias, suas dores. O sofrimento mental não nasce do nada. Ele é alimentado por um mundo que, muitas vezes, se organiza para desumanizar.
A Coluna Saúde tem um compromisso com a vida. E falar sobre o impacto dos discursos de ódio na saúde mental é urgente. Não há saúde emocional possível em uma sociedade que aplaude a violência, que ri do sofrimento e que transforma preconceito em conteúdo viral. É preciso denunciar. É preciso cuidar. É preciso resistir. Porque palavras têm peso, têm corpo, têm consequência. E quando o ódio ganha voz, é a humanidade que se cala.
Paulo Roberto Reis é psicólogo clínico especializado em Terapia Cognitivo-Comportamental e idealizador da Longevos Psicologia, uma clínica voltada para o cuidado da saúde mental e longevidade. Graduado em Psicologia pela Universidade Católica do Salvador (UCSAL), Paulo é também mestrando em Estudo de Linguagens pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Com uma sólida formação acadêmica, é pós-graduado em Gerontologia, Terapia Cognitivo-Comportamental e Neuropsicologia. Além de sua prática clínica, Paulo é colunista do Portal Som de Papo, onde escreve sobre saúde mental aos domingos, contribuindo com informações e reflexões sobre o bem-estar psicológico.
Imagem: Mente humana com emojis de raiva. Autoria desconhecida.



