Por Paulo Roberto Reis
Instagram: @psipaulorobertoreis
A mudança no perfil epidemiológico do envelhecimento está produzindo demandas que requerem respostas das políticas sociais e implicam em ações de enfrentamento dos problemas sociais e de saúde que afetam esse segmento populacional. Novos desafios emergem, a partir do aumento significativo da população envelhecida, um deles, o suicídio. No Brasil, a taxa de suicídio entre pessoas idosas é de 47% maior do que em outras faixas etárias (IBGE, 2019). A problemática necessita de atenção e maior visibilidade, além de novas estratégias de enfrentamento.
O suicídio é um evento complexo e multifatorial, no qual o indivíduo intenciona tirar a própria vida. Dessa maneira, temos a ideação suicida, enquanto desejo e elaboração de um plano de autoextermínio; e o comportamento suicida, que é o ato em si. Atualmente, o suicídio é visto como um problema de saúde pública, já que as relações causais perpassam por uma série de sintomas psicossociais. Em relação aos idosos, segundo a Organização Mundial da Saúde, são um grupo populacional de maior risco para o suicídio. Visto que, há alguns elementos que corroboram para o aparecimento de doenças, como, as demências, bem como transtornos mentais.
Para além de doenças, na velhice, os indivíduos estão mais propensos às perdas reais e simbólicas. As perdas estão associadas à morte de amigos, cônjuges e familiares, mas, também, as mudanças significativas de sentido de vida, vivências e experiências psicossociais. São universos que se transformam com o passar do tempo, tanto no corpo quanto na alma. Assim, a dimensão da finitude da vida surge e impõe questões existenciais complexas, como, “para onde vou”, “onde estou “, ou “o que fiz/o que vou fazer”.
As questões existências quando não encontram consonância de sentido de vida podem desencadear um colapso mental, tendo como consequência uma queda de humor, aumento da ansiedade e até mesmo um sentimento de vazio. Um dos problemas dessa realidade é a invisibilidade. Geralmente, há crenças sobre as pessoas idosas que não corroboram para o enfrentamento desses dilemas. Acredita-se que idoso não sofre, que é fofinho e que não espera mais nada da vida. Esse fenômeno chama-se mito do idoso feliz, onde prevalece uma ideia preconcebida de que todo idoso é feliz e que está na melhor idade. O mito do idoso feliz pode ocasionar violências de várias naturezas, retirando do indivíduo o seu direito de expressar os seus descontentamentos e expectativas.
Essas representações sociais apagam o sofrimento psíquico que muitas pessoas idosas vivenciam. É preciso notarmos que existe uma cultura tendenciosa de minimização da dor física, quando é justificada por “coisas da idade” ou “naturais do envelhecimento”; e invisibilidade do desconforto psicológico, no sentido de falta de reconhecimento e validação de sentimentos e percepções sobre a vida. Nesse ensejo, pode aparecer a questão do comportamento suicida como tentativa de eliminar o sofrimento.
Assim, o desejo de antecipar o fim da vida parece ser uma resposta razoável diante das perdas de saúde, autonomia, independência e sentido de vida. Sabe aquelas famosas expressões: “não quero dar trabalho”, “minha vida não tem mais sentido”, “já completei a minha jornada”, “todo mundo já está criado”, e “estão todos bem e não precisam mais de mim”? Então, essas são algumas das frases mais comuns que podem indicar a presença de pensamentos suicidas em idosos. Quantas vezes escutamos uma pessoa – sobretudo, idosos – falarem sobre elas, e quantas vezes paramos para dar à atenção devida?
Não é incomum conversas em tom de despedida, expressão pela falta de desejo em viver, negligência nos cuidados com a higiene pessoal, desistência em atividades lúdicas, doação de bens e tantos outros comportamentos que fazem jus a determinadas crenças sobre a vida. Aqui, vou me deter na expressão: “todos estão bem e não precisam mais de mim”. Esse dito pode carregar consigo a falta de novos sentidos de vida. Numa sociedade extremamente selvagem, a pessoa é aquilo que consegui produzir, mesmo no âmbito da família.
Ora, se a pessoa não tem mais o que produzir e ninguém para cuidar, ela pode ter a impressão que sua vida já está encerrada. Perceba aquela pessoa que passou uma vida inteira dedicada à família, e que agora como idosa fica realizada apenas com a criação de filhos e netos. É preciso desenvolver uma cultura que coloque o indivíduo, independente da idade, como protagonista da sua própria existência. Alguns comportamentos de pessoas de outras faixas etárias podem legitimar essa crença que a pessoa só tem sentido se estiver produzindo algo para alguém. É preciso desmistificar ideias que relacionam a velhice apenas como finitude e capital de produção. A pessoa é capaz de construir novos sentidos e relações em qualquer idade, mesmo considerando os desafios e fragilidades de cada etapa da vida.
Para além disso, precisamos falar mais sobre oportunidades e novas experiências para as pessoas mais velhas. Desse modo, não temos como fugir da necessidade de políticas públicas e sociais efetivas que ajudem a sociedade a se organizar para amparar, proteger e estender os direitos de todas as pessoas idosas. Dessa forma, poderíamos substituir a crença “todos estão bem e não precisam mais de mim” por “você pode viver bem e construir novos sentidos de vida”.
Reflexão autoral de Paulo Roberto Santos Reis Soares, mestrando em Estudos de Linguagens (UNEB), graduado em Psicologia e Teologia (UCSAL), pós-graduado em Gerontologia e Terapia Cognitiva-Comportamental (TCC), e pós-graduando em Neuropsicologia. Atua como psicólogo clínico, com foco na saúde mental da pessoa idosa prestando atendimento online e presencial; psicólogo das organizações e do trabalho e palestrante.
Referências
Corentino, Jamille Mamed Bomfim; Viana, Terezinha de Camargo. A Velhice e a Morte: reflexões sobre o processo de luto. REV. BRAS. GERIATR. GERONTOL., RIO DE JANEIRO, 2011; 14(3):591-600.
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira: 2016 [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; 2016 [citado 2019 jun. 15]. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/ liv98965.pdf 2.
Organização Mundial da Saúde. Relatório Mundial de Envelhecimento e Saúde. Genebra: OMS; 2015 [citado 2019 jun. 15]. Disponível em: http://sbgg.org.br/wp-content/uploads/2015/10/OMS-ENVELHECIMENTO-2015-port.pdf 3.
Sousa GS, Silva RM, Figueiredo AEB, Minayo MCS, Vieira LJES. Circunstâncias que envolvem o suicídio de pessoas idosas. Interface (Botucatu). 2014;18(49):389-402. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622013.0241 4.
IMAGEM: Autoria desconhecida. Disponível em: https://humancarebrasil.com.br/artigos/suicidio-entre-idosos-e-a-importancia-do-setembro-amarelo/



