Por Dr. Paulo Roberto Reis
Psicólogo Clínico
O caso do humorista Leo Lins, amplamente repercutido nas redes e na imprensa, acende um alerta importante que vai muito além dos limites do palco. Em suas piadas, Lins debochou de pessoas com deficiência, crianças com câncer, populações racializadas e minorias sociais, transformando a dor do outro em entretenimento. O episódio gerou revolta, ações judiciais e um debate urgente: até que ponto o humor pode se escorar na crueldade? Como psicólogo, afirmo com clareza: esse tipo de “humor” tem impacto direto e devastador na saúde mental das pessoas atingidas.
O discurso do “é só uma piada” tem sido usado para justificar práticas de violência simbólica disfarçadas de liberdade de expressão. Mas a Psicologia já sabe — e os consultórios confirmam — que palavras têm poder. O riso que ridiculariza corpos, realidades e vivências específicas não liberta ninguém: ele reafirma opressões históricas, reabre feridas e adoece subjetividades já fragilizadas. Quando uma plateia aplaude o escárnio contra crianças com hidrocefalia, por exemplo, ela valida o preconceito e legitima o desprezo pelo sofrimento humano. Isso não é liberdade. Isso é crueldade socialmente aceita.
A saúde mental de pessoas com deficiência, de pessoas racializadas ou que vivem situações de vulnerabilidade já está sob ameaça constante em uma sociedade excludente. O humor que reforça estigmas atua como gatilho de dor psíquica, reforçando sentimentos de inadequação, vergonha e desamparo. O psicanalista Contardo Calligaris escreveu certa vez que o humor genuíno “revela contradições, mas jamais humilha”. Há, portanto, uma diferença profunda entre provocar reflexão e promover o escárnio. A comédia que bate em quem já está caído não é arte: é covardia.
É preciso reconhecer que vivemos em uma era em que o ódio se traveste de ironia e a violência ganha curtidas sob a desculpa da autenticidade. E esse cenário se agrava com as redes sociais, onde vídeos como os de Leo Lins viralizam, ampliando a exposição das vítimas e reforçando uma cultura de zombaria que isola, adoece e exclui. Muitos adolescentes, por exemplo, são alvo constante de bullying digital que imita esses modelos “humorísticos”, naturalizando agressões verbais, racismo e capacitismo em nome do riso. O dano psicológico, nesses casos, é imenso.
A Psicologia nos ensina que o sofrimento precisa de acolhimento, não de piada. Que o trauma não é amenizado pelo riso da plateia. E que rir da dor do outro é um dos atos mais violentos e desumanizadores que existem. Um país que permite esse tipo de humor sem responsabilização contribui para o aumento da dor psíquica de grupos já vulneráveis e abre espaço para a legitimação da crueldade como espetáculo. Não se trata de censura, mas de responsabilidade ética e empática diante da vida do outro.
A Coluna Saúde do Portal Som de Papo não pode se calar diante desse tipo de “humor” que machuca. Falar sobre o impacto do riso tóxico é também lutar por uma sociedade mais justa e mentalmente saudável. Porque o riso que oprime não é leveza — é violência disfarçada. E quem já sofre, quem luta para existir com dignidade, não pode mais ser usado como alvo fácil de um palco construído sobre o silêncio da empatia.
Paulo Roberto Reis é psicólogo clínico especializado em Terapia Cognitivo-Comportamental e idealizador da Longevos Psicologia, uma clínica voltada para o cuidado da saúde mental e longevidade. Graduado em Psicologia pela Universidade Católica do Salvador (UCSAL), Paulo é também mestrando em Estudo de Linguagens pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Com uma sólida formação acadêmica, é pós-graduado em Gerontologia, Terapia Cognitivo-Comportamental e Neuropsicologia. Além de sua prática clínica, Paulo é colunista do Portal Som de Papo, onde escreve sobre saúde mental aos domingos, contribuindo com informações e reflexões sobre o bem-estar psicológico.
Imagem: emoji triste, chorando. Autoria desconhecida.



