Por Dr. Paulo Roberto Reis
Psicólogo Clínico
Como psicólogo clínico e cidadão atento aos caminhos que o país tem tomado em relação ao sofrimento psíquico da população, escrevo esta reflexão com inquietação. A Coluna Saúde, neste Portal, tem sido um espaço precioso para dialogarmos sobre temas muitas vezes esquecidos nas instâncias do poder. Por isso, este artigo é, também, um grito. Um apelo. Porque é impossível falar em saúde mental no Brasil sem denunciar o descaso histórico e a invisibilidade do tema no coração das decisões legislativas: o Congresso Nacional.
A saúde mental é uma pauta urgente, mas tratada como periférica por muitos parlamentares. Ainda que tenhamos assistido a algumas iniciativas positivas nos últimos anos, elas permanecem isoladas, sem articulação e, sobretudo, sem financiamento. Projetos de lei tramitam lentamente, perdem prioridade diante de pautas econômicas e ideológicas, e acabam morrendo sem que a população sequer saiba que poderiam representar avanços reais na atenção psicossocial. O sofrimento, enquanto isso, se alastra de forma silenciosa — e cada vez mais presente nos lares, escolas, hospitais e comunidades.
A realidade do Sistema Único de Saúde (SUS) é marcada por Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) sucateados, profissionais sobrecarregados, falta de medicamentos e de recursos para garantir acompanhamento contínuo a quem precisa. As filas para atendimento psicológico crescem, especialmente em regiões mais vulneráveis. O sofrimento mental não é invisível por falta de sinais, mas por falta de decisão política. O Congresso, que deveria liderar uma reforma estrutural no cuidado à saúde mental, permanece omisso ou distraído com pautas que, muitas vezes, negam direitos e aprofundam desigualdades.
Há ainda um agravante que precisa ser dito com clareza: a tentativa de retomada de práticas manicomiais e a desconstrução de políticas públicas humanizadas. Em nome de uma suposta “segurança”, alguns projetos defendem a internação compulsória como solução rápida e rasa, desconsiderando os avanços da luta antimanicomial e o direito das pessoas com sofrimento psíquico à liberdade, ao cuidado em liberdade e à reinserção social. Essas propostas não apenas retrocedem décadas de conquista, como revelam um profundo desconhecimento sobre o que é saúde mental.
Ao negligenciar o tema, o Congresso Nacional contribui para perpetuar o estigma. Milhares de pessoas seguem acreditando que buscar ajuda é sinal de fraqueza ou loucura. Crianças, adolescentes, idosos, mães atípicas, pessoas em sofrimento profundo: todos sofrem à margem de um sistema que não os vê. A política pública precisa olhar para a diversidade dos sujeitos, entender os atravessamentos de classe, raça, gênero, orientação sexual e condição de vida. Mas isso exige escuta, compromisso e vontade de transformar. E isso, infelizmente, ainda é raro entre os representantes eleitos.
É urgente que a saúde mental seja tratada como política de Estado e não como uma bandeira pontual de campanhas eleitorais. Cuidar da mente é cuidar da vida em sua complexidade. Não é possível desenvolver um país ignorando que o sofrimento psíquico cresce onde há desigualdade, abandono, violência e falta de pertencimento. O Brasil precisa de uma Política Nacional de Saúde Mental integrada, intersetorial, com orçamento garantido, controle social e compromisso ético com a vida humana. Isso é mais do que gestão: é civilização.
O Congresso Nacional ainda pode — e deve — assumir esse papel. Mas para isso, é preciso que a sociedade civil pressione, fiscalize e participe. O silêncio político não pode continuar sendo cúmplice do sofrimento de milhões. Como profissional da saúde mental, continuarei escrevendo, atendendo e denunciando. Que este artigo ecoe em quem precisa ler. Que a Coluna Saúde siga como instrumento de visibilidade e de voz. Porque falar sobre saúde mental não é só um ato clínico ou político. É, antes de tudo, um ato de amor e coragem.
Paulo Roberto Reis é psicólogo clínico especializado em Terapia Cognitivo-Comportamental e idealizador da Longevos Psicologia, uma clínica voltada para o cuidado da saúde mental e longevidade. Graduado em Psicologia pela Universidade Católica do Salvador (UCSAL), Paulo é também mestrando em Estudo de Linguagens pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Com uma sólida formação acadêmica, é pós-graduado em Gerontologia, Terapia Cognitivo-Comportamental e Neuropsicologia. Além de sua prática clínica, Paulo é colunista do Portal Som de Papo, onde escreve sobre saúde mental aos domingos, contribuindo com informações e reflexões sobre o bem-estar psicológico.
Imagem: Plenário do Senado vazio Foto: Givaldo Barbosa / O Globo, 2014.



