Por Dr. Paulo Roberto Reis
Psicólogo Clínico
Nesta edição da Coluna Saúde, convido você a refletir sobre o sofrimento e a ressurreição de Jesus Cristo sob a luz da psicologia. A proposta não é teológica, mas humana: olhar para a dor e a superação como experiências universais. A figura de Cristo, especialmente em sua paixão e ressurreição, nos oferece um símbolo poderoso para pensar o sofrimento, o sentido da dor e a possibilidade de renascer. O que a psicologia pode nos ensinar a partir desse caminho? É sobre isso que vamos conversar neste texto.
A imagem de Jesus na cruz ainda nos comove. Às vezes parece distante, quase simbólica, mas é profundamente real e humana. Cristo sofreu física, emocional e espiritualmente. Sentiu medo, chorou, gritou de dor e solidão. “Deus meu, por que me abandonaste?” (Mt 27:46). Esse grito poderia vir de qualquer pessoa em sofrimento psíquico profundo. A dor que Ele viveu nos convida a pensar na nossa dor — e em como lidamos com ela.
A psicologia não precisa competir com a espiritualidade; pelo contrário, pode caminhar ao lado dela. Carl Gustav Jung, um dos grandes nomes da psicologia profunda, afirmava: “A psicologia traz à luz aquilo que a religião chama de pecado”. Para Jung, sofrimento não é castigo, mas parte do processo de individuação — o caminho para se tornar quem se é. E não há cura emocional sem atravessar os desertos da alma.
No Getsêmani, antes da cruz, Jesus revela toda a sua humanidade: “Minha alma está profundamente triste, até a morte” (Mt 26:38). Ele expressa o medo, o cansaço, o desejo de não seguir adiante. Mas, mesmo assim, segue. E mais: pede companhia, pede que os discípulos vigiem com Ele. Um gesto que mostra que, no sofrimento, o vínculo é essencial. Ter com quem contar pode ser a diferença entre desespero e esperança.
O psiquiatra Viktor Frankl, sobrevivente de campos de concentração, afirmou que o ser humano pode suportar quase tudo, desde que encontre um sentido. Ele escreveu: “Quem tem um ‘porquê’ enfrenta qualquer ‘como’”. Jesus tinha esse “porquê”: o amor, a entrega, a redenção. A psicologia existencial reconhece essa verdade — o sofrimento que encontra um significado deixa de ser destrutivo e pode se tornar transformador.
Em psicoterapia, acolhemos o grito silencioso de quem não sabe mais como continuar. Elaborar o sofrimento é o que permite que ele seja transformado. Quando a dor é reconhecida, escutada e nomeada, ela pode deixar de paralisar. A ressurreição, nesse contexto, não é mágica — é processo. É o florescer de algo novo após uma travessia difícil. É o retorno à vida, com mais consciência e humanidade.
A ressurreição de Cristo é símbolo maior de transformação. Não apenas vitória sobre a morte, mas anúncio de que a dor não é o fim. Pessoas que enfrentam traumas profundos muitas vezes renascem com mais força, fé e compaixão. Elas ressuscitam aos poucos. Cada novo passo é um testemunho de que a luz pode atravessar até mesmo as noites mais escuras da alma.Cristo ressuscitou. E isso nos lembra que o sofrimento, por mais avassalador que seja, não precisa ser o ponto final da nossa história. Há vida depois da dor. Há caminhos que se abrem depois do que parecia ser fim. Essa talvez seja a maior lição psicológica e espiritual da Páscoa: sempre é possível recomeçar.
Paulo Roberto Reis é psicólogo clínico especializado em Terapia Cognitivo-Comportamental e idealizador da Longevos Psicologia, uma clínica voltada para o cuidado da saúde mental e longevidade. Graduado em Psicologia pela Universidade Católica do Salvador (UCSAL), Paulo é também mestrando em Estudo de Linguagens pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Com uma sólida formação acadêmica, é pós-graduado em Gerontologia, Terapia Cognitivo-Comportamental e Neuropsicologia. Além de sua prática clínica, Paulo é colunista do Portal Som de Papo, onde escreve sobre saúde mental aos domingos, contribuindo com informações e reflexões sobre o bem-estar psicológico.
Referências
Frankl, V. E. (2005). Em busca de sentido: Um psicólogo no campo de concentração. Vozes.
Jung, C. G. (2000). A psicologia e a religião. Vozes.
Bíblia Sagrada. Evangelho de Mateus 26:38 e 27:46.
Imagem: túmulo vazio, autoria desconhecida. Fonte: Google.



