Por Eneida Roberta Bonanza
Há um movimento silencioso nas cidades e dentro de nós: um retorno. Depois de séculos erguendo paredes entre o corpo e o chão, entre a mente e o vento, algo em nós se lembra. Lembra do cheiro de terra molhada depois da chuva, do sol que acende o metabolismo, da água que costura a pele por dentro, das árvores que respiram por nós quando esquecemos de respirar direito. Esse retorno à natureza não é apenas nostalgia romântica; é um gesto radical de saúde, um reposicionamento existencial. É uma decisão: voltar a viver em condições compatíveis com a nossa biologia — e com a nossa história mais antiga, que começou ao ar livre.
Do ponto de vista científico, essa escolha tem fundamento sólido. O contato com áreas verdes está associado à redução de ansiedade e depressão, melhora do bem-estar e até menor risco de distúrbios psiquiátricos comuns. Ambientes naturais não são apenas “bonitos”: eles regulam sistemas fisiológicos, reduzem níveis de cortisol, reorganizam ritmos cardíacos e restauram o sistema nervoso.
Mas a reconexão com a natureza não vive apenas nos parques. Ela começa nos hábitos diários: acordar com luz natural, mover o corpo, comer comida viva que carregue a memória do solo, dormir em coerência com a noite. É aqui que entra a epigenética — o campo que estuda como fatores ambientais e comportamentais modulam a expressão dos nossos genes sem alterar a sequência do DNA. Em termos simples: hábitos constroem contextos internos que “conversam” com o genoma, afinando ou desafinando a orquestra de genes que tocam a nossa saúde.
É por isso que se tem dito que os nossos hábitos podem “silenciar” ou “ativar” genes relacionados a riscos e proteções. O corpo lê o ambiente que criamos para ele e responde.
Na alimentação, o mesmo princípio. Comer é também escrever — com moléculas — notas de harmonia ou dissonância sobre a partitura do genoma. O que escolhemos colocar diariamente no prato pode favorecer caminhos de equilíbrio, vitalidade e longevidade.
Importa dizer: epigenética não é milagre, nem anula a importância da nossa genética. O que ela nos oferece é uma ponte entre o que recebemos e o que podemos construir.
Talvez por isso o chamado contemporâneo não seja apenas “voltar” à natureza, mas reaprender com ela. A árvore ensina enraizamento e flexibilidade; o rio, movimento com entrega; a terra, paciência; o céu, amplitude.
No cotidiano, podemos traduzir essas metáforas em práticas simples e potentes:
– Luz da manhã por 5–15 minutos.
– Movimento diário ao ar livre.
– Alimentação rica em plantas e natureza viva.
– Pausas de respiração consciente.
– Sono alinhado ao ritmo da noite.
No âmbito coletivo, planejar cidades com acesso a espaços verdes é estratégia de saúde. A natureza, incorporada ao desenho urbano, deixa de ser cenário e volta a ser sistema de suporte à vida.
Reconectar-se à natureza é reconectar-se ao corpo que somos: pele e sistema nervoso nascendo da mesma origem embrionária, pulmões que lembram florestas, sangue que escuta a gravidade, ritmos que se afinam com o nascer e o pôr do sol.
Se eu pudesse condensar tudo isso num convite, seria assim:
Escolha hábitos que contem histórias bonitas ao seu genoma.
Dê ao seu corpo as condições de lembrar-se do que ele já sabe: que somos natureza em trânsito.
@eneidabonanza · @chersaude



