Por Dr° Julio Cesar
@nagashimajulio
O atendimento em clínicas veterinárias coloca profissionais — como médicos-veterinários, técnicos de enfermagem e auxiliares — em contato contínuo com tutores que carregam expectativas elevadas, ansiedade diante da condição de seus animais, e muitas vezes uma vulnerabilidade emocional acentuada. Nesse contexto, surge uma dinâmica pouco discutida: o assédio moral por parte dos tutores contra os colaboradores da clínica. O assédio moral é definido como “exposição repetida e prolongada a comportamentos que humilham, diminuem ou isolam o trabalhador no exercício de sua função”. Transposto para o ambiente veterinário, esse tipo de conduta pode manifestar-se através de exigências excessivas, cobranças intimidatórias, hostilidade, críticas públicas à equipe, ou comportamentos de desqualificação baseada em medo ou culpa.
Causas e contextos específicos
Na relação clínica-tutor-animal, algumas características favorecem esse tipo de conflito:
o elevado vínculo emocional do tutor com o animal, que faz com que qualquer resultado adverso seja vivido como tragédia pessoal, gerando reações de culpa, frustração ou raiva direcionadas à equipe;
a assimetria de conhecimento técnico — os tutores muitas vezes esperam explicações detalhadas e imediatas ou questionam decisões médicas com tom acusatório;
a urgência ou gravidade do atendimento (ex: cirurgias, emergências) que intensificam o estresse e reduzem o tempo de comunicação adequada;
a falta de preparo ou suporte da clínica para lidar com tutores em crise emocional — o que pode levar à falta de contenção e escalonamento de atitudes conflitivas;
a visibilidade pública de avaliações ou reclamações nas redes sociais ou plataformas de reclamação (por exemplo, uma tutora relatou: “me senti assediada moralmente” após atendimento de sua gata) Reclame Aqui.
Formas de manifestação
O assédio moral vindo de tutores pode assumir diferentes formas, tais como:
Cobranças desmedidas: exigir atendimento imediato ou ilimitado, plantões sem fim ou intervenções que extrapolam a função profissional;
Desqualificação pública ou privada da equipe: tutores que denunciam-se online, reclamam de forma agressiva na sala de espera, humilham membros da equipe perante o animal ou outros tutores;
Isolamento ou “boicote” emocional: tutores que se recusam a fornecer informações, atribuem falhas à equipe sem diálogo ou colocam em crise o profissional por meio de chantagem emocional (“se meu pet morrer será por culpa de vocês”);
Intimidação direta: ameaças, linguagem agressiva, reclamações exageradas, exigência de resultados sem que o quadro clínico permita.
Impactos para a equipe e para a clínica
Os efeitos desse tipo de assédio não recaem apenas sobre o profissional individual, mas impactam o funcionamento e a cultura da clínica:
desgaste psicológico e emocional da equipe (ansiedade, baixa autoestima, burnout) — o que reduz a qualidade do atendimento e favorece erros;
ambiente de trabalho tenso, com clima de medo ou evitação, o que pode comprometer a comunicação interna e com os tutores;
rotatividade de pessoal, prejuízo para a imagem da clínica e aumento de custos de treinamento;
riscos para o animal e para o tutor: uma equipe sob estresse elevado pode não proporcionar a atenção ideal, explicações suficientes ou acompanhamento humanizado.
Estratégias de prevenção e enfrentamento
Para reduzir o assédio moral de tutores, a clínica pode adotar medidas como:
estabelecer políticas claras de comunicação com tutores: definir horários para contato, tempo de espera, canais de reclamação e explicitar responsabilidades da clínica e do tutor;
capacitar a equipe para gestão de conflito e comunicação empática, com treinamentos que abordem atendimento a tutores em crise, técnicas de desescalamento e linguagem assertiva;
implementar termos de consentimento e políticas de acompanhamento que deixem claras as limitações do atendimento, responsabilidades do tutor (como seguir orientações, manter rotina) e o que pode ou não ser exigido da equipe;
oferecer apoio à equipe: supervisão, espaços para descompressão, protocolos para quando um tutor ultrapassa limites aceitáveis, e articulação de denúncias ou medidas legais se necessário;
promover uma cultura de respeito mútuo: os tutores também devem ser orientados, com clareza e empatia, sobre o papel da clínica, os riscos inerentes aos procedimentos e os limites de intervenção.
Conclusão
O assédio moral proveniente de tutores é uma faceta pouco visibilizada da rotina das clínicas veterinárias, mas com impactos reais para a saúde dos profissionais, para o clima de trabalho e, indiretamente, para o bem-estar dos animais. Reconhecer que, além das pressões internas, existe esse risco externo é essencial para que as clínicas promovam ambientes seguros e sustentáveis. Com políticas claras, comunicação eficaz e suporte adequado à equipe, é possível minimizar esses episódios e garantir que o cuidado ao animal se desenvolva num ambiente de respeito mútuo entre equipe e tutor.
A empatia com o tutor deve andar junto com o respeito ao profissional.
Por Dr° Julio Cesar
Médico Veterinário
Terapeuta Holístico



