quarta-feira, maio 8, 2024
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A Cor do Som é Rosa

Por Walter Silva

Tá na cara o tema que eu vou tratar na coluna desta semana, né? A volta da Cor do Som com um trabalho exclusivo de músicas instrumentais. Estou falando do Álbum Rosa, nome dado ao projeto que, por enquanto, só está disponível nas plataformas de streeming de música.
Não dá pra falar do Álbum Rosa sem fazer uma viagem no tempo, até porque essa foi a proposta do projeto: uma releitura de alguns clássicos instrumentais gravados nos três primeiros discos do grupo, no final dos anos 70.
Com altíssimas doses de música instrumental de qualidade, os discos A Cor do Som (1977), na minha opinião o melhor do grupo, e A Cor do Som ao vivo no Montreaux International Jazz Festival (1978) “bugaram” a cabeça da crítica especializada, que não esperava que aquelas “cobras criadas” com cara de meninos pudessem compor e executar com tanta maestria o que compuseram e executaram. Mesmo sendo bem recebidos pela crítica e pelo meio musical, as vendas com os dois primeiros trabalhos não decolaram, fazendo com que a Warner, gravadora que lançou o grupo, “sugerisse” a inserção de canções para tornar o terceiro vinil mais comercial. Foi assim que o grupo correu atrás de Gil, Caetano e Moraes e gravaram as canções “Abri a porta” (Dominguinhos e Gilberto Gil), “Beleza Pura” (Caetano Veloso) e “Swing Menina” (Moraes Moreira e Mu). Preciso falar alguma coisa dessas canções e do sucesso que foi o vinil Frutificar, gravado em 1979? Creio que não. Voltemos, então, ao Álbum Rosa, porque “embora choque, Rosa é cor bonita”, já disse Gil.
O mais novo álbum instrumental da Cor do Som chega bonito! E não tinha como ser diferente, afinal, além do virtuosismo continuar sendo a marca do grupo, a proposta do projeto e a qualidade do repertório aproxima o fascínio dos novos ouvintes com a curiosidade e o saudosismo dos antigos. Ah, e a “capa”, hein? Um espetáculo à parte criado pelo artista plástico carioca Batman Zavareze, a partir de telas pintadas por Mu e Dadi (que pena eles não terem tido um Batman em 1979).
As duas primeiras músicas do Álbum são especiais para o grupo e para os fãs da Cor do Som, pois nunca tinham sido gravadas em estúdio. Tanto “Chegando da terra” (Armandinho) como “Dança Saci” (Mu) só foram registradas no “bolachão” de 1978. A terceira música, “Arpoador” (Armandinho/Dadi/Gustavo/Mu), apesar de ser uma velha conhecida do público, pois foi gravada originalmente no LP de 1977 e regravada em 1978 na versão “ao vivo”, experimenta, agora, a sua terceira releitura: perdeu a “suingueira” de Ary, mas deixou bem mais explícita uma latinidade psicodélica; tá novinha!
As três próximas músicas são as contribuições do LP de 1979. “Frutificar” (Mu), a quarta música, deve ser a mais conhecida e uma das mais belas composições gravadas pela Cor do Som (incluo também “Pororocas” no rol das mais belas, mesmo admitindo que chega ser irresponsável tomar partido dessa forma). Só para dar uma ideia do peso de “Frutificar”, é ela quem abre e fecha o LP que leva o seu nome (isso mesmo, são duas faixas no mesmo LP, uma espécie de “faixa bônus” dos anos 70); fez parte do projeto A Cor do Som – Acústico, que resultou na gravação de um CD e um DVD em 2006 (uma linda releitura com a inserção de um violão de doze cordas); e reaparece agora em 2020. A quinta música, gravada em 1979 e em 1997, no CD A Cor do Som – ao vivo no Circo, é “Pororocas” (Armandinho e Luis Brasil), uma das tantas contribuições que Armandinho deu para o bandolim brasileiro. Encerrando as contribuições do LP de 1979 vem “Ticaricuriqueto” (Armandinho). Inspirado no riff introdutório de “Pelô Patrimônio” (Armandinho e Moraes Moreira), uma canção gravada no CD Jubileu de Ouro (2000), Armandinho reafirma o rock como uma das suas mais fortes influências musicais. Sem dúvida, essa foi a faixa que teve a releitura mais radical do Álbum Rosa, pois ganhou uma pegada rock’n rool na versão “20.20” que estava encoberta na primeira gravação.
Avançando para as duas últimas músicas, temos “Espírito infantil” (Mu), um chorinho lindo gravado em 1977 e em 1978, que na versão 2020 ficou mais cadenciado na primeira parte e deu ao piano de Mu Carvalho maior destaque e, finalmente, “Saudação à paz” (Mu), mais uma música que conheceu o estúdio pela primeira vez, pois só havia o registro dela no show A Cor do Som – Acústico.
Impossível ouvir o Álbum Rosa sem dar vontade de sair correndo para comprar o CD ou o LP, que o grupo pretende lançar em breve, assim como é uma tarefa difícil não comparar as novas gravações com as “originais”.
Pessoalmente, gosto muito de releituras. Lembro, agora, do CD “Eu e Memê, Memê e Eu”, um clássico gravado por Lulu Santos em 1995, quando ele fala sobre como os remix são interessantes, pois possibilitam olhares diferentes sobre “um trabalho que não importa quem fez”, e finaliza: “cada um tem um jeito de contar a mesma história”. Essa deixa de Lulu, que eu trago aqui, é para destacar que o olhar mais bacana que poderemos ter nas releituras é justamente o de tentar encontrar a história que está sendo recontada. É por isso que eu considero as releituras um ato de extrema coragem, principalmente quando esse desafio recai sobre aquelas obras que parecem atemporais; obras que parecem (mas só parecem) ter sido feitas apenas com uma única possibilidade perfeita de leitura, impossibilitando a sintonia de qualquer outro executor com a dimensão criativa do criador; obras como essas eu chamo de “clássicos”.
Sempre que ouço canções como “O bêbado e o equilibrista”, interpretada por Elis Regina, ou como “Stay around a little longer”, interpretada por Buddy Guy e B. B. King, essa sensação reaparece e eu me pego pensando no desafio que seria alguém relê-las; no quanto o universo da música ganharia se esse desafio fosse encarado. Essa foi uma questão que o Álbum Rosa criou para si mesmo: como recontar “Arpoador”, “Frutificar” e “Pororocas”? Por ser um álbum de releituras de músicas autorais perfeitas, fica difícil para os criadores encontrarem espaço para radicalizar a “desconstrução criativa” que nos assombraria com um novo perfeito.
Agora é curtir o Álbum Rosa, comprar o CD assim que sair, e esperar que o próximo projeto traga releituras e inéditas que marcarão os músicos e os apaixonados por música das próximas gerações, assim como fizeram com a minha.

5 COMENTÁRIOS

  1. Olá, Walter.

    Baiano puxando a brasa pros baianos de forma competente e perspicaz. Você estuda, reflete e escreve de uma maneira que me faz sentir inveja de não ler aqui no Piauí nenhuma crítica musical competente e estimuladora igual à sua sobre os músicos daqui.

    Quando você diz “Voltemos, então, ao Álbum Rosa, porque “embora choque, Rosa é cor bonita”, já disse Gil.”, me lembrei desses versos: “Por isso não provoque / É cor-de-rosa choque” que interpreto como uma alusão àquilo que a mulher tem e que pode cativar, prender alguém por ser da cor que é. Embora a essência é que leve à permanência do gostar e amar o que nos cativa e prende. Você foi cativado e está preso ao que ama pela cor e pela essência.

    E piauiense que sou fico olhando, com um olhar sem cor, o seu orgulho pela sua cultura.

    Parabéns.

  2. Mais um belissimo texto ! Muito bom !!

    Falar do Grupo a Cor do Som e de sua trajetória musical, é perpassar por inúmeros momentos de nossa “Bahia Musical” e pela história da vida de muitos baianos. É sem sombras de dúvidas, um grupo atemporal. Nesse texto tão bem elaborado e rico de tantos detalhes ( desconhecia alguns ) só comprova a máxima de que música boa é eterna, é pra sempre. E releitura de coisa boa, por gente com a competência, qualidade e criatividade de Armandinho e Cia, é um presente dos Deuses para os nossos ouvidos. Valeu !!! 🤜🏿🤛🏿

    (!) Lembrei de uma apresentação de Armandinho no icônico Casquinha de Siri, em Piatã, Salvador…😉

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