quinta-feira, abril 18, 2024
Home Dança & Teatro "3X Gil" dá Gilsons

“3X Gil” dá Gilsons

 

https://br.nacaodamusica.com/noticias/gilsons-india-julia-mestre/

 

Por Walter Silva
[email protected]

Há alguns dias recebi um presente do tipo que eu adoro receber, principalmente quando vem dos filhotes (eles sempre me presenteiam dessa maneira): a indicação de um trabalho musical incrível que eu não conhecia.
É verdade, não é demagogia e nem se trata de desapego por bens materiais, mas passar a conhecer algo maravilhoso que estava aí e que eu ignorava, é algo que me ajuda a crescer porque muda ou limpa a lente com a qual eu estava lendo o mundo. É claro que isso vale para filmes, livros, cervejas artesanais, comidas, lugares, aulas, conversas… mas quando é um trabalho musical… cara, tem outro sentido!
Somos complexos “bichos de memórias”, se bem que memórias, por si mesmas, já são bichos demasiadamente complexos, mas quando uma canção, ou uma música, engatilha em alguém uma memória que por tabela lhe leva consigo, aí o presente é duplo. Foi isso que aconteceu quando minha filha mandou um link de uma canção lindíssima dizendo que lembrava de mim sempre que a ouvia. Dessa vez ela me mandou “Devagarinho”, uma canção gravada pelos Gilsons.
O duplo presente foi também uma dupla descoberta, pois eu não conhecia a canção nem o “3 x Gil, Gil x 3”, como consta na página do Instagram deles. É claro que imediatamente eu já fui buscando nos streamings da vida, fuçando vídeos e procurando saber um pouco mais sobre eles. De cara, achei fantástico o saque do nome que deram ao trio, já que são, de fato, 3 x Gil: José Gil, Francisco Gil e João Gil. É muito Gil, mas eles não sobram nem ficam poucos. Eles se integram.
Começando por “Devagarinho” – título do single e da canção composta e gravada com Mariana Volker e os Gilsons, lançado agora em agosto, portanto há quase dois meses – a canção fala de um amor que reconhece o romantismo das descobertas, dos tempos necessários para dar um beijo, dar a lua ou apenas descobrir o que pode existir por trás de olhos verdes, o começo de um “amor devagarinho”.
Gravada com violões (Francisco Gil e João Gil), teclados (Rodrigo Tavares) e percussões (Thiago Nunes), inclusive eletrônica (José Gil), nada falta na canção, nada sobra, a não ser talento para produzir um arranjo moderno sobre uma discreta base percussiva que nos remete ao ijexá. Se a canção é um convite às memórias ou ao desejo de construí-las, o vídeo, dirigido por Pedro Alvarenga, potencializa o convite pela fotografia, iluminação, cenário e, é claro, pela performance das bailarinas Natasha Jascalevich e Vyctórya Devin, além da poesia “Amar”, de Carlos Drummond de Andrade, que teve trechos declamados por Fernanda Montenegro.
Voltando para 2019, vamos falar do “extended play” (EP) “Várias Queixas”, primeiro trabalho do trio, lançado com as inéditas “Vento Alecrim” (José Gil e Luthuli Ayodele), “Cores e Nomes” (João Gil e Julia Mestre), “A voz” (Francisco Gil) e “Love love” (José Gil, João Gil e Julia Mestre), além da regravação de “Várias queixas” (Afro Jhow, Germano Menenghel e Narcisinho), canção gravada pelo Olodum em 1992. Comparando os trabalhos atuais com os mais antigos, mesmo que o antigo seja tão recente, é possível notar que dois aspectos marcam os Gilsons, de novo há um certo exagero nessa afirmação por conta da proximidade entre os trabalhos, mas aposto nesse palpite: o primeiro é que eles integram as estratégias de divulgação e fruição dos seus trabalhos de forma bastante articulada com a lógica da produção fonográfica atual, ou seja, são versáteis no uso de clips bem produzidos, ainda que simples, e preferem a frequência dos singles e dos EPs (“álbuns” com uma quantidade de canções grande demais para os antigos compactos, mas pequena para os clássicos CDs e LPs) aos “sazonais” CDs. Já o segundo aspecto é a liberdade criativa na incorporação de gêneros musicais nas suas composições e arranjos, além de um certo minimalismo que, juntos, contribuem para uma musicalidade com um pé no moderno e outro na tradição, boa estratégia para não perder as referências, como se isso fosse possível tendo a família musical que têm.
Nesse EP realmente é difícil destacar uma canção como representativa, já que todas parecem integrar-se à proposta estética-musical do trabalho, mas, como eu tenho uma certa predileção por regravações, fico com “Várias Queixas” por conta do exercício criativo que comprova aquela musicalidade moderna que eu me referi há pouco. Como cada regravação deve informar uma nova mensagem musical, pois se não for assim não há qualquer sentido em regravar uma canção, em “Várias queixas”, que também tem um vídeo muito lindo, ficou nítida a conexão que o trio faz entre a energia da musicalidade afro, preservada no agogô que puxa um ijexá e as palmas de um samba reggae que não avança, e um solo de flugel que parece conduzir a canção para uma espécie de samba reggae-lounge; ou seja, agora a canção é outra!

IMAGEM (I09-Gilsons – Índia)
Fonte: https://www.instagram.com/p/CGYkISaJB7d/?utm_source=ig_embed
Fonte: Capa do novo single lançado pelos Gilsons

Lembra daquela frequência estratégica somente possível com singles e EPs? E da liberdade criativa na trama dos ritmos? Pois é, o trio acabou de lançar mais uma linda canção mesclando a sonoridade percussiva indiana com a afro-baiana. Composta por José Gil e Julia Mestre, ele na Índia e ela no Rio, a canção chama-se “Índia” e foi inspirada numa foto (capa do single) tirada quando os pais do compositor, Gilberto Gil e Flora, viajaram para a Índia.
A pegada de Índia mantém-se fiel ao trabalho do grupo: um arranjo rico em influências rítmicas e harmônicas; uma melodia linda, perfeitamente captada pelos vocais, que também conta com a participação de Julia Mestre; e por uma letra que diz muito, fazendo parecer leve e simples as incertezas da nossa própria natureza e dos encontros. Confiram nesses primeiros versos da canção e me digam se é por aí (eu acho que é): “Deixa que a dúvida venha a respeito da vida / iluminado seja aquele que já sabe o que é / eu já não sei quase nada sobre tudo de você / melhor não saber nada, assim posso entender”
Voltando aonde esta coluna começou, minha filha e a sua indicação, ou como aparentemente terminou, fotos da Índia inspirando uma canção, foi feita de memórias a linha que tudo costurou. Memórias de família, memórias musicais, memórias encarnadas: enfim, parece que os Gilsons são assim.

REFERÊNCIAS

DEVAGARINHO. Direção: Pedro Alvarenga. [S.l]: Xirê Produções, 2020. 1 vídeo (4’:47’’). Youtube. Publicado no canal Gilsons Oficial. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=NPl2N9eQOn4>. Acesso em: 21 de out. de 2020.

MESTRE Julia; MOREIRA, José Giordano Gil. Índia. Júlia Mestre e José Gil. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=5wHBZIlYflU>. Acesso em: 13 de jul de 2020.

VÁRIAS QUEIXAS. Direção: Pedro Alvarenga. [S.l]: Xirê Produções, 2019. 1 vídeo (3’:25’’). Youtube. Publicado no canal Gilsons Oficial. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=bBHPq3UQFsw>. Acesso em: 21 de out. de 2020.

Fonte da Imagem de capa: br.nacaodamusica.com

4 COMENTÁRIOS

  1. Depois de uma critica tão bem feita , por um cara tão sensivelmente apaixonado por música boa de verdade, só nos resta conferir logo a poesia musical dos Gilsons e resgatar nossas melhores memórias.

  2. Para comentar esse texto preciso falar de duas coisas. A apresentação descritiva do trio e minha interpretação dos últimos versos do refrão.

    Com a apresentação que o Walter fez dos Gilsons me senti mais à vontade para conferir o som dos caras. A capacidade descritiva do autor me fez parar no meio do texto para verificar se a descrição do trio estava ‘sobrando ou era pouca’. Pois é exata. O que de mais eu poderia dizer de forma amadora já foi dito com propriedade pelo autor. Gostei do que ouvi e vi.

    Acredito que desse jeito, se esse texto for compartilhado como forma de apresentação do trio, pessoas que nem eu irão se tornar fãs.

    A segunda coisa a dizer é sobre: “melhor não saber nada, assim posso entender”.

    Primeiro quero dizer que não há contradição entre o que eu disse antes e que vou dizer agora. Porque o entendimento sobre alguma coisa pode vir sim de algo que foi dito, como diria de outra forma Marx. Mas vejo nesses versos a intenção dos autores em mostrar que é melhor fazer a própria busca para entender do que ficar preso apenas àquilo que já foi dito antes.

    No caso da impossibilidade da busca direta, precisei recorrer a quem já é craque em facilitar o entendimento do mundo da música para mim, o Walter.

  3. Apesar de ser Baiana, um colega Sergipano apaixonado pelos ritmos baianos foi quem me apresentou os Gilsons, com.Varias Queixas. Desde então não falta nos nossos HH. O texto faz muito jus ao trio, que faz muito jus ao seu sobrenome.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor insira seu comentário!
Digite seu nome aqui

Mais Lidas

Axé pra sempre na Micareta de Feira

Por Gilberto Romano  Sexta-feira a micareta de feira traz diversas atrações pra animar o público: Araketu, Alinne Rosa, Psirico, Olodum, dentre outras. O destaque deste dia...

Zé Honório comanda Micareta de Feira no sábado

Por Redação  Neste final de semana acontece uma das tradicionais micaretas do Brasil, a de Feira de Santana. O Carnaval da "Princesinha do Sertão" promete...

Cidade de Deus: vamos recordar?

Por Teo Gelson  Lá se vão 20 anos desde que "Cidade de Deus" foi lançado nas salas de cinema, pontuando um período áureo da produção...

Aonde seu time joga no Brasileirão 2024 neste meio de semana?

Por Fernando Francisco  Neste meio de semana começou a segunda rodada do campeonato de futebol mais disputado do mundo, nessa terça dia 16/04 tivemos Bahia...